FELIPE MAIA

Journalist, ethnomusicologist, d.j.

I’m a Brazilian journalist and ethnomusicologist (anthropology + music + sound) based in Europe. In the past ten years, I’ve worked with a number of media outlets and led several projects crossing popular music and digital culture on topics like Latin American sounds, electronic-sonic technologies and Global South dialogs.
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[VICE] A festa de muitas cores na quebrada do Mbappé

Matéria originalmente publicada em julho de 2018 na VICE Brasil.


No ajeitado campo do pequeno AS Bondy, distante duas horas e meia da torre Eiffel, cerca de três mil pessoas se reuniram para assistir à última partida da Copa do Mundo de 2018, neste domingo. O presidente do clube, Atman Airouche, comandava a festa. Microfone na mão e telão por detrás, ele exclamou antes do jogo: “Vamos, França! Vamos, les bleus! Vamos, Kyliam!”. Sob um calor de trinta e tantos graus, a turma gritou e ele gravou um vídeo que foi enviado logo em seguida ao próprio Mbappé.

Atman Airouche teve sua vida remexida nas últimas semanas. O dirigente se viu em meio a dezenas de entrevistas, porque todos querem saber que clube é esse de onde saiu a mais nova estrela do futebol mundial. Com três tentos marcados na Copa do Mundo, um dos quais na final em que a França se sagrou campeã em cima da Croácia, Mbappé ganhou o caneco aos 19 anos e voltou os olhos do mundo a sua quebrada: Bondy, parte da grande periferia de Paris.

Foto: Felipe Maia

“Ele é um meteoro que caiu aqui em Bondy”, resumiu Airouche. Filho de pai camaronês e mãe de origem argelina, Mbappé nasceu no ano em que a França realizou o “Milagre de St Denis” ao ganhar de 3 a 0 do Brasil na final da Copa. O mote da época era black-blanc-beur, preto-branco-árabe, uma ideia de multiplicidade étnica que pintava com a vitória de uma seleção com nomes como Zidane e Thierry Henry.

O jovem cresceu numa periferia que é, hoje, o maior berço de jogadores da Europa — muitos dos quais com origens diversas. Há aproximadamente 235 mil jogadores de futebol na grande Paris. Na seleção francesa, dez dos vinte e seis campeões são de pequenas cidades e bairros como Bondy. Enquanto jogador, Mbappé não é exceção à regra. O que chama a atenção é sua habilidade com a bola.

Foto: Felipe Maia
Foto: Felipe Maia

“Ele sempre foi fora do normal”, disse Rayan, amigo de Mbappé. “Ele sempre jogou com as equipes mais velhas.” Foi assim que, com 15 anos, Mbappé foi contratado pelo Mônaco FC. Três anos depois ele assinou com o PSG. E se em 2016, quando a França chegou ao final da Eurocopa, apenas os mais aficionados conheciam o então jogador de clube, em 2018 ele se tornou peça chave do potente ataque da seleção nacional francesa.

“O Kyliam jogou aqui e está jogando uma Copa do Mundo”, disse Rayan. “Isso mostra que tudo é possível”.

Foto: Felipe Maia

E assim foi em campo durante a partida final. O público de Bondy gritava sempre que o atacante tocava na bola. Não é preciso dizer que todos foram ao delírio quando Mbappé guardou o dele. Quando ele levantou a taça e o título de revelação da Copa do Mundo de 2018, muita gente já nem estava mais no campo. Tão logo o árbitro marcou o final da partida, Airouche tomou o microfone e gritou: “Nós somos campeões, nós somos todos franceses!”.

Foto: Felipe Maia

O campo do AS Bondy foi um dos salões da festa francesa. A partir dali, toda a gente foi às ruas montada sobre carros, empinando motos, batendo panelas e acendendo traques e bombinhas. No pequeno largo que é o centro de Bondy, poucos percebiam a faixa de agradecimento a Mbappé no topo de um prédio público.

Pelas ruas, contudo, passeavam bandeiras de países como Marrocos, Argélia e República Democrática do Congo. Elas se misturavam às faixas tricolores, às vezes, nas roupas e pinturas de uma única pessoa. São símbolos que dizem mais sobre a complexa trama de nacionalismos e etnias que compõem a França do que algumas linhas de texto nas redes sociais.

Foto: Felipe Maia

Entre as várias maneiras de ser francês, todas concordavam em fazer festa. Pouco a pouco os trens começaram a encher e a periferia rumou ao centro. Cerca de dois terços da população da grande Paris moram no entorno da cidade. As músicas que embalaram a torcida francesa davam o tom no coletivo, do ode ao ilustre desconhecido Benjamin Bavard — “ele vem de lugar nenhum” — à canção dedicada ao volante Kanté — “ele é pequeno, ele é gentil e no sábado ele vai jantar o Messi”.

Por volta das 20h, hora local, a turba já tomava a Place de la République e todos seus entornos. Buzinas no talo e garrafas de vidro se quebrando, gente abraçando amigos de ocasião e escalando a estátua da Marianne. Símbolo da república francesa, o monumento nem parecia ter sediando uma sisuda festa nacional no dia anterior, 14 de julho, data que marca a Tomada da Bastilha.

Foto: Felipe Maia

O próprio marco da Bastilha também estava tomado novamente, mas pela festança. Quem tentava pegar metrô, para chegar a esse ou outros pontos da comemoração, se deparava com uma roleta russa: estações fechadas ou catracas abertas. Para quem estava dentro, não havia regra ou finesse. Até a companhia de transportes entrou na dança e algumas estações mudaram de nome por causa do campeonato: Notre Dames Deschamps, por exemplo, virou Notre Didier Deschamps.

Perto da conhecida Champs Elysées, a avenida que termina no Arco do Triunfo, apenas os mais animados seguiam na festa por volta da meia noite. Um batuque digno de samba dava o tom. “A gente é campeão!”, gritavam os novos donos da taça. Segunda é dia de trabalho e confusões com a polícia já tinham espalhado a multidão.

O saldo negativo da festa ainda não foi confirmado. Segundo as autoridades francesas, cerca de 900 carros foram queimados e 508 pessoas foram presas entre as noites de 13 e 14 de julho. Os números da noite de domingo, contudo, ainda não foram divulgados. A reportagem da VICE testemunhou um veículo queimado e um grupo que, ao entrar em um restaurante, quebrou pratos, copos e outros itens em uma ação rápida.

FELIPE MAIA

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