“Oh yes, indeed, it’s fun time
‘Cause you can’t, you won’t and you don’t stop”
Os dois versos são de Sure Shot, música do Ill Communication, quarto álbum dos Beastie Boys. Foi a primeira música deles que deu um clique no meu ouvido. “Cara, tem um cachorro latindo no começo? E esse flautinha no fundo?”. Acabava a música e vinha Tough Guy. “Mas não era rap? Quê que o Minor Threat tá fazendo aqui?”.
Peguei o som dos caras com um amigo que tinha gravado num CD — foi mal, ECAD — e dali passei a faixa pro celular. Virou toque de um dos primeiros aparelhos mais descolados que suportava MP3. Saudoso K1.
Não faz uma década, é verdade. Dá pra dizer que a geração que aboliu o K7 e estreou o CD para trocar músicas é a geração pós-Beastie Boys. Chegamos e os caras já estavam fazendo a bagunça deles. Licensed to Ill, a estreia com direito a sample do Clash, foi lançado em 1986 e Paul’s Boutique, o cartão de visita feito de recortes de músicas (os samples), chegou em 1989.
O terceiro, tão emblemático quanto os dois, Check Your Head, de 1992. E aí voltamos para Ill Comunication, de 1994. Mais um pouco no disco e se chegava a Sabotage. Linha de baixo pesada, scratches agudos, bateria hardcore em andamento mais lento e riffs de guitarra em overdrive. A última faixa a ser finalizada na gravação, com vocais que falam de alguma sabotagem qualquer. Qualquer, o alvo são todos e é ninguém. E o clipe, premiado, parodia os filmes de ação policial dos anos 70 e o estilo Donuts. Não à toa é a cara do grupo mais debochado do Brasil na década passada, o Hermes e Renato.
Que falar então de “Fight For Your Right”, que vinha acompanhado de um sonoro “to Parrrrrtttttyyyyyy”. Ou então do último álbum (que não chegou a ser lançado), Hot Sauce Committee, Pt. 1, definido pelo trio, os caras que vieram do hip hop e do hardcore, como um álbum de jazz.
Que zoado. Os caras bagunçavam tudo, desrespeitavam limites, faziam graça de qualquer um e debochavam de outros tantos.
E que curioso. O Beastie Boys ainda podiam causar surpresa a essa geração que abolia o CD pelo KazAa — tempos rápidos esses — e também à geração que tinha visto a banda nascer e crescer. A ousadia vinha até quando precisavam ser sérios. Na mesma música com o cachorro latindo, a letra se desculpava de possíveis ofensas às mulheres em discos anteriores. Os Beastie Boys tinham mudado de ideia e, despreocupados em manter a ordem, cantavam isso para todos. Quem mandava essa parte era o MCA, o Adam Yauch.
MCA também mandava a pesada linha de baixo de Sabotage. MCA também foi o cara que pensou e dirigiu alguns clipes da banda e, claro, é parte fundamental nas composições dos Beastie Boys.
MC Adam Yauch morreu sexta-feira, vítima de câncer. Se você não soube antes, talvez seja melhor refinar suas leituras. A relevância de MCA para a música pode ser medida na quantidade de homenagens e lembranças sinceras que apareceram por aí.
Ainda assim, sejamos sinceros. Homenagens não conseguem representar tudo o que alguém foi — e tem outras tantas bem melhores que essa. O Matias saca isso logo no início do seu excelente texto sobre Yauch. Outro tributo bacana, que merece ser lido, é o obituário feito pelo crítico de música da New Yorker, Sasha Jones.
Jones cresceu no mesmo Brooklyn dos Beastie Boys. Não o Brooklyn de hoje, que solta tantas bandas por semana quanto o Hype Machine. Mas sim o distrito de Nova York, onde os caras trocavam fitas e pensavam em fazer fanzines, segundo Jones. E de onde saíram três moleques que resolveram levar a zoação a sério. Ou levar a seriedade na zoação. Zoação mesmo: deboche, graça, bagunça, tudo junto e misturado. Como diz o jornalista, o primeiro álbum deles era “uma piada para os Estados Unidos ou sobre os Estados Unidos”.
A tristeza é grande porque com a morte de Yauch não haverá mais com quem rir ou sobre quem rir. Não desse jeito. Esculachando e tocando o dedo na ferida ou simplesmente esculachando e tocando, fazendo música. Ao contrário do que diz a letra de Sure Shot, agora é hora de parar. Infelizmente acabou a zoação.
Valeu, MCA.