FELIPE MAIA

Journalist, ethnomusicologist, d.j.

I’m a Brazilian journalist and ethnomusicologist (anthropology + music + sound) based in Europe. In the past ten years, I’ve worked with a number of media outlets and led several projects crossing popular music and digital culture on topics like Latin American sounds, electronic-sonic technologies and Global South dialogs.
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[VICE] Máquinas na Pista: A Evolução dos Sintetizadores Musicais

Muita gente adora exaltar a Liverpool dos Beatles, a São Francisco do Jefferson Airplane, a Detroit do Inner City, a Paris de Serge Gainsbourg, a Lagos de Fela Kuti, a Dusseldorf do Kraftwerk, a São Paulo dos Mutantes, a Kingston do Bob Marley, a Recife do Chico Science e Nação Zumbi. Difícil mesmo é ouvir alguém enaltecendo Trumansburg, cidade a que todos esses artistas devem ao menos uma canção. Foi nesse pequeno município norte-americano onde Robert Moog realizou seu invento mais famoso, o Moog, um dos principais atores de uma revolução cultural e tecnológica operada pelos sintetizadores.

“O que aconteceu de especial com o Moog é que ele se tornou popular”, conta o músico e sound designer Paulo Beto. Paulo tem 11 sintetizadores, mas lembra da primeira vez que ouviu uma máquina dessas, aos 12 anos. “Naquela época eu tinha medo de alienígenas e da bomba nuclear, por causa da Guerra Fria. Pensei que fosse alguma dessas coisas!”. Nem uma nem outra, o objeto estranho se chamava Antenna, faixa de 1975 do grupo alemão Kraftwerk.

A banda sempre é mencionada quando o assunto é música eletrônica, mas Paulo afirma que, assim como o Moog, ela não é o primeiro nem único nome relevante quando fala-se de som gerado por circuitos eletrônicos, a chamada síntese sonora. Os experimentos pioneiros com esse princípio datam de fins do século XIX, correndo em paralelo com a invenção do telefone – muito tempo antes do Tomorrowland e de seu séquito fiel a graves estourados. “O Telarmônio é o primeiro aparelho eletrônico em que cada tecla é uma frequência e, por consequência, uma nota”, diz Francisco Velázquez, músico, produtor e DJ.

A estação central do Telarmônio

Conterrâneo e torcedor do Málaga, Francisco cresceu no sul da Espanha, região que desenvolveu sua cena eletrônica à margem da endinheirada Ibiza. No Brasil, ele ministra cursos e oficinas de música. A paixão por essa arte o levou a estudar acústica e elétrica, campos que se encontraram em outra grande mudança para o mundo sintético. “O próximo grande salto foi a invenção do oscilador porque ele permitiu um controle de voltagem”, diz Francisco. Para ele, isso determina a criação do sintetizador enquanto instrumento musical.

O desenvolvimento dessa tecnologia na primeira metade do século XX é acompanhado por artistas e pesquisadores das potências capitalistas. Órgãos acadêmicos e midiáticos como o IRCAM, na França, e a NHK, no Japão, apressaram-se em produzir sons para aquilo que em breve seria chamado de eletroacústica. Aos poucos os ruídos ganharam públicos maiores, especialmente quando a intenção era soar artificialmente. “A BBC fazia trilha de ficção científica com recursos eletrônicos”, diz Paulo Beto.

O Anvil FX, de Paulo Beto, em ação. Crédito: Ariel Martini

Ainda assim, o uso desses aparelhos era restrito. Financiamentos estatais mantinham a maquinária grande e pesada e nem todo mundo podia botar a mão nela. Mesmo um filme com orçamento elevado apelava para outros recursos: a música de Forbidden Planet, de 1956, foi inteiramente composta por circuitos eletrônicos criados pelos músicos Bebe e Louis Barron – e Leslie Nielsen ainda não tinha nem cabelo branco.

Nesse mesmo ano, Bob Moog já era um nerd que vivia dos instrumentos que construía. Ele vendia Theremins de fabricação própria e, durante uma conferência, o jovem conheceu o músico Herb Deutsch. A parceria resultou em ideias como adicionar um teclado a um sintetizador, uma interface familiar e reconhecível para a maioria dos artistas. O barateamento de matéria-prima como silício foi o último parafuso de um aparelho acessível que usasse eletrônica para gerar som. Em 1963 nascia o Moog e em 1971 era lançado o primeiro MiniMoog.

Do MiniMoog ao iPod

A diferença entre os aparelhos determinou a popularização do pequeno. Assim como o iPod na virada dos anos 2000, o MiniMoog representava uma grande facilidade em comparação a seu antecessor e seus concorrentes. “Todo mundo se apaixonou porque dava pra carregar ele. É pesado pra caramba, mas pra época era uma maravilha!”, conta PB. E assim como a Apple, a Moog cresceu com a concorrência na cola, como a ARP, processada sob acusação de plágio.

O funcionamento reduzido do equipamento, no entanto, entrou na linha de produção de várias empresas. Em vez de usar uma penca de fios para conectar os osciladores, filtros, envelopes e amplificadores do sintetizador (os módulos), os aparelhos já vinham com essas partes plugadas entre si, isto é, o patch já estava feito. “O primeiro Moog era chamado de modular porque havia uma sequência de módulos para o patch e o MiniMoog já tem esse patch básico”, explica Arthur Joly, produtor, músico e Professor Pardal da RecoHead.

Arthur Joly e sua fantástica fábrica de sons eletrônicos. Crédito: Felipe Maia

“Em 2009 eu comecei a pesquisar a história do modular e descobri um kit para montar o próprio bumbo eletrônico. Como eu já tinha um pouco de noção de solda, eu montei meu primeiro bumbo. Depois comprei os outros kits: uma caixa, um tom e um clap. Montei os três, pus numa caixa de madeira e fiz meu primeiro synth”, diz Arthur. Desde então, ele já construiu mais de trinta geringonças musicais para artistas e amigos. A queridinha é a JolyMod1, armário eletrônico que só sai do seu estúdio por uma grana para realizar seu sonho. “Eu vou fazer o maior sintetizador do mundo”.

O título pertence ao TONTO, sintetizador britânico que tem o tamanho de uma Kombi e meia. Célebre pelas medidas, ele também ganhou fama ao ser usado por músicos como Stevie Wonder e Quincy Jones entre os anos 70 e 80. Essa época marca os primeiros encontros de maior alcance entre eletrônica e música popular. No Brasil, músicos como Jorge Antunes e Rodolfo Caeza estreavam em discos de eletroacústica e bandas como 14Bis e Os Mutantes usavam a sonoridade psicodélica dos sintetizadores. “A Rita Lee foi tocar em outro país e saiu daqui levando um teclado com um adesivo do Moog. Ela jogou esse teclado fora e voltou pra cá com um Moog de verdade!”, lembra Paulo Beto.

“A máquina é foda”

Durante esse período também surgiram sintetizadores dedicados como as caixas de ritmo e as baterias eletrônicas, caso da Roland TR-808. Elas cunharam gêneros que ganharam as prateleiras de lojas de discos e tags de MP3. “O techno de Detroit foi feito por gente que não tinha grana com sintetizadores que hoje a gente chama de brinquedos”, conta Pedro Zopelar.  Músico e produtor, ele foi selecionado para a Red Bull Music Academy 2014, residência artística que anualmente reúne artistas da música eletrônica. “Os sintetizadores mudam a linguagem da música. Eles dão a possibilidade de fazer uma apresentação, mesmo com improvisação, usando somente o som gerado por máquinas”, diz.

Pedro Zopelar com sua Analog Four. Crédito: Felipe Maia

Mineiro de Caratinga, o jovem teve seu primeiro contato com sintetizadores quando o MiniMoog já estava na categoria vintage do eBay. Arthur Joly explica: “há uns cinco anos perceberam que esses instrumentos não deveriam ser esquecidos, que eles tem riquezas que não ouvimos nos modelos digitais”. O digital em sua retidão provocou uma ressaca do erro. Zopelar, por exemplo, grava algumas de suas músicas em rolos de fita. “Acho que cada vez mais tem gente mais nova curtindo muito essa estética antiga, de VHS”, diz ele.

A linguagem binária, contudo, se sobrepôs às correntes analógicas. O mercado está repleto de aparelhos baratos cujas ondas sonoras resultam de cálculos ou emuladores de sintetizadores, os VSTs, que podem ser compartilhados em qualquer rede p2p. Para Francisco, a acessibilidade que nem se imaginava quando da invenção do MiniMoog é uma vantagem, mas também um problema. “Tem tanta coisa que tem gente que não sabe o que focar: tem cara com 15 sintetizadores virtuais sem entender nenhum”, diz.

O espanhol acredita que os próximos passos na tecnologia desses instrumentos devem se voltar ao design. “Acho que chegamos num ponto que é complicado ir mais a frente quanto a síntese, mas acho que vamos revolucionar a ergonomia dos objetos”, afirma. Para Zopelar, o futuro da música eletrônica passa por mais performances ao vivo e isso depende de sintetizadores. O músico faz parte do Anvil FX, grupo fundado por Paulo Beto, e sua mais nova traquitana musical resume os últimos avanços no mercado.  “Esse modelo é um híbrido, ele tenta unir o melhor dos mundos analógico e digital”, diz.

Entre as possibilidades dos VSTs e a textura do MiniMoog, entre baterias eletrônicas e caixas de ritmo, entre campos eletromagnéticos e ondas senoidais, Zopelar se diz convicto: “Qualquer lugar em que eu estiver, na onda em que eu estiver, eu estarei fazendo um som. Sou músico acima de tudo”. E quanto aos sintetizadores, sempre sujeitos a perfeição e ao glitch, ele tem outra certeza: “a máquina é foda!”

Matéria originalmente publicada em julho de 2014 no Motherboard.

FELIPE MAIA

felipemf [at] gmail [dot] com

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