FELIPE MAIA

Journalist, ethnomusicologist, d.j.

I’m a Brazilian journalist and ethnomusicologist (anthropology + music + sound) based in Europe. In the past ten years, I’ve worked with a number of media outlets and led several projects crossing popular music and digital culture on topics like Latin American sounds, electronic-sonic technologies and Global South dialogs.
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[Trip] Mac DeMarco: despretensão resistente

Mac DeMarco tocou em meados de maio último no Brasil. No palco, dá para ver que o título de queridinho indie — da Pitchfork à Spin — vai bem a calhar. Não há pretensão nenhuma no seu mise en scène, que vai das paletadas rasgadas aos arrotos e piadas rancheiras. O ato, menos teatral que de atitude, preenche uma lacuna perseverante em meio a tanta produção maquiada. É uma resistência dissimulada.

Na última meia hora do show no SESC Belenzinho o canadense encarnou o moleque com hora de ensaio sobrando no estúdio: já que não tem música pra tanto tempo de palco, se mete a tocar Metallica e imitar o Eddie Vedder que, segundo a conversa abaixo, nem são suas referências.

Mac DeMarco

Mac DeMarco tem diastema. Se ele fosse mulher, magra, loira e alta, certamente estaria entre as mais cobiçadas modelos do mundo. Sabe como é… A indústria dos padrões tem pagado alto para manter-se dentro dos padrões enquanto põe só um pezinho fora deles.

Mas Mac DeMarco nem liga pro seu diastema – tampouco para os padrões. Seus dentes separados são mais um sintoma de sua personalidade que de algum problema ortodôntico. Para entender isso basta olhar sua conta do Instagram com imagens toscas e vídeos de arroto.

Claro que uma conversa deixa mais evidente essa história de pouco se lixar. De Vans rasgado, calça de pular brejo manchada de mostarda, camiseta surrada e boné de promoção, o músico canadense encontrou a Trip para trocar uma ideia.

Dá pra somar nessa conta barata a guitarra japonesa de trinta dólares que ele comprou quando começou sua última banda, a Makeout Videotape. Manteve o instrumento na carreira solo e não pensa em trocar. “Eu gosto do som e do jeitão dela”, diz ele.

Sua música cai bem nas cordas gastas e presas por um capo — espécie de presilha colocada no braço da guitarra. Os acordes suspensos e notas dobradas são de um bluesman que, em vez de ser Jimi Hendrix, escolheu ser Bob Dylan. Mais punk, é verdade.

Nesse caminho, DeMarco parece ter parado em algum lugar entre os anos 80 e 2000. Canções como “Viceroy”, “Cooking Up Something Good” e “Rock and Roll Night Club” mantem um ranço de fita cassete, mas são baladas pra degustar com um tocador de MP3 com streaming.

Abaixo, o artista canadense fala sobre as distâncias encurtadas pela internet, método de composição e álbuns que são referência. Como ele não liga pra muita coisa, também mete o pau na cena musical de Montreal e na molecada que só faz música no quarto.

Como você começou a fazer música? Imagino que tenha sido na adolescência. Mac DeMarco: Comecei a tocar violão quanto eu tinha uns 14, 15 anos. Aprendi a tocar e comecei a assistir a shows até que pensei: eu poderia tocar numa banda. Aí fiz minha primeira banda quando tinha uns 17 anos.

Então você teve outras bandas além da Makeout Videotape? Sim. Eram todas bem engraçadas. Tive uma banda de “joke rock” chamada The Meat Cleaver, uma banda de R&B chamada The Sound of Love e uma outra com um amigo chamada Outdoor Miners.

E em todas essas bandas você usou sua guitarra de trinta dólares? Na verdade eu comecei a usar bastante a guitarra com a Makeout Videotape, minha última banda. Era uma guitarra japonesa barata.

Você ainda usa essa guitarra? Sim. Eu gosto do som e do jeitão dela.

Você usa bastante o capo, né? É, sim. Eu comecei a usá-lo porque as cordas saíam das casas e o som da guitarra era uma bosta e também porque o capo me ajuda a não perder alguns acordes dependendo do tom.

Entendo. Pensei que era algo de seu estilo. Hoje em dia é? Sim, agora faz parte do meu estilo.

E você chama sua música de jizz jazz. O que é isso? Eu não sei, é como a música soa. Toda hora alguém tenta rotular algo como música pop, indie. Essa história de jizz jazz confunde as pessoas e faz sentido pra mim.

Mas como você descreveria sua música? Não sei… Acho que são músicas com guitarra, canções pop.

Não tem um lance mais lo-fi? Tem muita gente fazendo música mais lo-fi, mas eu acho que isso é mais sobre o jeito que a gravação é feita e eu não gosto desse jeito. Eu gosto de gravar com o melhor que tenho!

Desde 2009 você gravou sete álbuns, entre EPs e LPs. Você não acha que isso é bastante? Eu não acho que seja muita coisa. Eu gosto de tocar e gravar.

Mas você compõe na estrada? Não, não. Quando estou em casa eu penso: vou fazer um álbum. Aí faço todas as músicas e gravo. Eu gosto de fazer o álbum, dessa sensação do disco.

Isso é interessante. Você é de uma geração que é muito influenciada pela internet. Nem todo mundo dessa geração gosta dessa história de álbum. Eu gosto do álbum. Eu não gosto dessa ideia de gravar singles. Gosto dessa parada mais clássica. Um monte de músicas que tem sentido juntas. Isso é fantástico.

Mas você não acha que é parte dessa geração? No sentido juntar passado e presente. Sua músicas às vezes soa vintage, seus clipes parecem feitos com VHS, mas tudo tem um frescor. Eu acho que essas coisas que parecem VHS, coisas antigas, são coisas baratas também. Hoje em dia você tem muitas ferramentas digitais que não são boas. Nos anos 80 e nos anos 70 era tudo analógico, mas hoje em dia tem câmeras e equipamentos que você só precisa ligar. E no final o som é uma bosta. Você não faz escolhas, está tudo pronto. Tentar coisas novas é legal, mas gosto da maneira com que soam os álbuns antigos.

Você consegue dizer uns três discos que são relevantes pra você? Que soam dessa maneira? Transformer, do Lou Reed, é um álbum ótimo. Plastic Ono Band do John Lennon é fantástico. E Ram, do Paul McCartney. Esse álbum é muito bom.

E quais seriam os clássicos que te influenciaram? Beatles, The Kinks, Shuggie Otis, Lou Reed. Esses caras.

Fechando esse papo sobre internet, você não acha que ela acabou com as barreiras entre coisas do passado e do presente? Não fosse ela talvez você não conhecesse esses caras. É, talvez eu não conhecesse a música do Lou Reed. Mas quando a gente não tinha internet também estava tudo bem. Tudo muda muito rápido hoje em dia. Eu tive bandas por muito tempo, eu tentava fazer shows. Hoje em dia tem gente que produz música no quarto e nunca fez um show, nunca tocou fora dali. Enfim, a internet é bacana, sim. Se não fosse por ela talvez a gente nem estivesse aqui no Brasil. Mas muito do meu gosto musical foi formado antes do YouTube. Coisas que minha mãe ouvia. Quando eu tinha 12, 13 anos e quando a conexão era discada, lembra?

Sim, você tinha que esperar um tempão para baixar algo… É. Você tinha que querer mesmo aquilo que estava baixando!

Você não é de Montreal, mas você viveu um tempo por lá. Por quê? É uma cidade com uma cena musical forte. Fui pra lá porque era mais barato que Vancouver! A cena é legal, mas não me sinto parte dela. Eu fazia minha música. Era bacana porque várias bandas do Canadá vão para Montreal, mas nunca me senti muito conectado a elas. Eu não fui pra Montreal pra ser famoso ou pra ser a Grimes. Isso é estúpido pra cacete!

Mas você é mais famoso que muita gente lá, agora… É, mas não foi porque eu me mudei pra Montreal. Tem gente que valoriza essa cena de Montreal, mas é bobagem. Eu nem moro mais lá. A Grimes não está lá mais. A cidade tem uma reputação em cima de gente que nem está mais lá.

Você vive onde agora? Agora estou no Brooklyn.

Mas o Brooklyn também é um lugar que me soa hype: várias bandas vem de lá, cenas musicais… Sim, mas lá é muito legal porque você tem muitas cenas e muitas bandas. Em Montreal você faz um show e pensa: cara, eu não gostaria de tocar com essa banda. No Brooklyn você assiste uma banda e pensa: cara, eu gostaria de tocar essa banda. Isso acontece muitas vezes.

Você se mudou para o Brooklyn para ficar mais perto da sua gravadora? Na verdade me mudei porque era mais legal. Montreal estava muito chata.

Suas gravações são feitas em fita ou digitalmente? Todos meus álbuns eu gravei em fita, mesmo.

E suas músicas geralmente falam de coisas prosaicas, coisas comuns, romances normais. Por quê? Escrevo sobre as coisas que eu sei. Não quero ficar falando o que as pessoas devem fazer. Não quero escrever sobre algo que eu não sei. Escrevo sobre minha vida porque é algo que sei. Gosto das coisas pequenas. Gosto de escrever músicas românticas que não sejam muito específicas. Se eu tiver a oportunidade de escrever algo específico sobre mim, eu faço, mas isso é duvidoso. A partir do momento que você escreve uma música ela já não é mais sua. As pessoas podem fazer interpretações sobre aquilo e se ver ali.

Seu próximo disco sai em abril. Você já está tocando umas músicas novas? Sim, várias. É nossa primeira vez na América do Sul, então a gente tem que tocar músicas dos primeiros discos, mas a gente toca umas músicas novas. Isso é bom porque a gente tem tocado as mesmas músicas faz uns três anos. É legal ver as pessoas gritando as letras com a gente.

Pra acabar, aquela pergunta clássica: o que você conhece de música brasileira? Eu adoro o João Gilberto.

Essa é a resposta clássica também! É mesmo, mas eu gosto bastante de Garota de Ipanema. E daquela… O Pato. Quén, quén, quén.

Matéria originalmente publicada em março de 2014 no site da revista Trip.

FELIPE MAIA

felipemf [at] gmail [dot] com

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