[Folha] Estudante franco-brasileiro narra noite de horror no Bataclan

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Christian Hartmann – 13.nov.2015/Reuters

O estudante franco-brasileiro Nicolas Lafargue, 22, estava, na noite da última sexta-feira (13), na casa de shows Bataclan –cenário do mais sangrento dos ataques a Paris naquele dia, com 89 dos 129 mortos confirmados. Ele sobreviveu à tragédia com ferimentos leves na cabeça.

Nicolas nasceu na Guiana Francesa, filho de mãe paraense e pai francês. Eles ainda vivem na sua terra natal, mas ele está na França para estudar geografia na faculdade Bordeaux Montaigne. Leia abaixo o seu relato.

Cheguei a Paris na sexta, às 9h, para encontrar alguns amigos. Um deles, Thomas, tinha duas entradas para o show do Eagles of Death Metal –um grupo de que gosto muito– no Bataclan.

Passadas duas horas de show, a gente escutou um barulho. Eu estava perto do bar; a princípio, pensei que eram fogos de artifício. Em segundos, começamos a ouvir gritos e todo mundo se jogou no chão. Os terroristas estavam atirando.

Eu me joguei no chão, e duas pessoas se deitaram em cima de mim. Todo mundo gritava. De vez em quando, os tiros paravam e a gente escutava os terroristas carregando as armas. Era um desespero que nunca tinha visto antes. O homem deitado em cima de mim disse que estava ferido, perdendo muito sangue e precisava ser atendido. Eu também comecei a sangrar.

Os terroristas continuaram atirando. Não sei quanto tempo isso durou -para mim, foram cinco minutos, mas quando a gente está nesse tipo de situação perde a noção do tempo. De repente, os tiros pararam.

O Bataclan é como se fosse uma sala de teatro –tem a parte de baixo, o palco e a parte de cima, com cadeiras. Uma mulher disse que os terroristas estavam subindo. Na hora, todo mundo se levantou e começou a fugir. Eu estava bem perto da porta de segurança e corri o mais rápido que pude para a saída. Na rua, continuei correndo sem parar.

Perdi de vista o meu amigo. Queria ajudar as pessoas, mas tive medo de ser atingido. Entrei num apartamento próximo, onde havia uma pessoa ferida no chão. Outra pessoa, um jovem, viu que eu estava sangrando, me deu um pano com gelo para conter o sangramento e depois desapareceu. Decidi descer para a rua.

Nessa hora, meu amigo me ligou perguntando onde eu estava, se estava vivo. Subi a rua e ele estava do outro lado –a gente se abraçou, feliz de ter sobrevivido. Foi só fazer isso e os tiros recomeçaram.

Corremos para um restaurante bem perto do Bataclan e ficamos escondidos nos fundos por meia hora. Havia três feridos no chão, bombeiros, muitas pessoas aglomeradas. Os bombeiros atendiam os feridos e pediam que quem estivesse machucado tirasse a camisa –é por isso que estou sem camisa na foto. Me deram uma cobertura que parecia de alumínio e me mandaram ao hospital, de ambulância.

Fui atendido rapidamente e vi muita gente ferida chegando. Um dos médicos disse que meu ferimento não era grave. Fui levado a um quarto e fiquei lá por uma noite.

Minha mãe não soube imediatamente do acontecido –foi minha irmã que viu minha foto sem camisa e disse a ela, que ficou num desespero enorme. Consegui ligar depois para explicar que estava tudo bem, que o ferimento não era grave.

Estou no segundo ano do mestrado. Vou concluir os estudos, mas depois acho que vou voltar para minha casa na Guiana Francesa. Tentarei arranjar um trabalho lá, para ficar perto da minha mãe e da minha família.


Matéria publicada originalmente no jornal Folha de S.Paulo (19/11/2015).

 

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