[Folha] Funk paulista extrapola Estado de origem e faz sucesso no Sul e no Nordeste

Matéria originalmente publicada na Folha de S. Paulo em dezembro de 2017.

Um som brasileiro ecoava em um clube de música eletrônica de Pequim em maio passado. O ritmo era o já clássico funk. E, como dizem os DJs, funcionava: na pista, muita gente dançava, mesmo sem parecer entender o que escutava.

“Pega no Phone” foi executada pelo DJ chinês Puzzy Stack. A faixa é do produtor português KKING KKONG. Ela foi composta com vozes dos funkeiros MC Lan, de São Paulo, e MC Johnny Oliver, do Rio.

O gênero, produto de exportação, tem feito viagens interiores. Após quase três décadas de criação e desenvolvimento no Rio, o funk se consolidou em São Paulo nos últimos anos e então ganhou o país e o mundo.

Essa é a segunda turnê —nos idos de 2000, o pancadão chegou à baixada santista e DJs como Marlboro e Sany Pitbull levaram o som para os gringos, e o funk é revisitado por artistas brasileiros e internacionais como Yuri Martins, DJ LK, DJ Polyvox e DJ Meury.

“É um ritmo como o samba: o funk não morre mais”, diz Iasmin Soares, a Iasmin Turbininha. A carioca de 20 anos é produtora, DJ e youtuber. Em seu canal, divulga suas músicas de funk atabacado, que têm mais batidas por minuto do que se convencionou. É um ritmo difícil de dançar.

Para Iasmin, que vive no bairro da Mangueira, cada comunidade tem criado sua própria variação do gênero.

É o caso do arrocha funk e do brega funk. Principais nomes dessa área, MC Troia, de Pernambuco, e Aldair Playboy, da Paraíba, emprestam a prosódia, os jargões e letras do funk. Figuras rítmicas usam formas e sons que se desenvolveram em categorias guarda-chuvas do Nordeste: axé, brega e forró.

Os experimentos seguem Brasil adentro. No Pará, DJs de aparelhagem modulam as vozes dos MCs do momento na frenética marcação do tecnomelody. Em Minas, produtores depuram batidas do funk com texturas de música eletrônica. As letras não mudam: festas, sexo e bebidas.

A tecnologia oferece conexões para o funk, mas quem ainda sustenta o título de MC, DJ ou produtor segue responsável pelos rumos do gênero.

Os novos modos são fruto de mudanças tecnológicas. Segundo o Comitê Gestor de Internet no Brasil (Cetic.br), o número de domicílios com acesso a internet triplicou nos últimos dez anos -puxado pela classe C, que subiu quase 40%.

Embora irregulares nas periferias de grandes cidades, redes de 3G, 4G e Wi-Fi são os únicos elos entre regiões inteiras e, por exemplo, páginas no Facebook que agendam bailes.

A banda larga favoreceu a troca, entre produtores, de softwares e pacotes para composição. As redes móveis facilitaram a troca, entre fãs, de MP3 e links do YouTube via WhatsApp.

São Paulo torna-se palco da consolidação do gênero. O estilo ostentação, abre-alas na capital, é menos uma crônica sobre consumo que uma forma de agradar o público cativo e TVs, rádios e gravadoras.

Letras palatáveis e ritmo foram pontapé na transformação de pequenos estúdios em grandes produtoras. Esses mistos de agência de eventos e selo musical, como a GR6 e a KondZilla, desenvolveram um sistema de produção constante e adequado à rede. Seus vídeos estão entre os mais vistos.

Invenções harmônicas e melódicas de produtores e DJs deram novas possibilidades aos MCs. Multiplicaram-se em estúdios, casas de show, bailes e clubes. O funk hoje parece ser de todo mundo.